Entre os contratos atípicos firmados pelo mundo corporativo, existe um que merece atenção especial, visto a suas peculiaridades. Assim, este contrato é denominado Vesting.
Primeiramente, o contrato de Vesting é de terminologia inglesa e fora criado nos Estados Unidos para pactuar a distribuição das ações disponíveis em uma sociedade empresária.
Neste sentido, o contrato de Vesting, que pode ser traduzido como “aquisição”, ou seja, é um contrato em que as partes estabelecem que haverá uma distribuição de ações disponíveis em uma sociedade empresária, de maneira gradual e progressiva, que pode contemplar parâmetros específicos de produtividade e tempo.
Esta modalidade contratual é muito utilizada pelas startups, visto que são empresas que possuem um baixo grau de capitalização, porém, possuem um elevado grau de expectativa de resultado. Entretanto, para que estas empresas embrionárias possam reter talentos e, assim, não ter que despender uma quantia que não possui no momento, com altos salários, as mesmas lançam mão desta modalidade contratual para distribuir ações entre seus empregados ou administradores. Em suma, esta fórmula de estímulo e investimento, faz com que a pessoa seja sócia e empregado da empresa.
Esta afirmativa somente será verdadeira caso esta pessoa atinja as metas estabelecidas no presente pacto. Logo, com o adimplemento dos requisitos previamente estipulados, o pessoa terá o seu direito de ingressar no quadro societário garantido.
Para que haja justa medida de divisão das ações, de modo a prevenir que o contrato seja um mecanismo de exploração de mão-de-obra, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu a Deliberação de nº 728, de 27 de novembro de 2014.
Com o advento dessa deliberação, a CVM reconhece a possibilidade de aplicação dos contratos de vesting no Brasil e sugere cláusulas que devem constar nestes contratos para sua melhor implementação.
A Deliberação CVM nº 728, sugere que deve haver a identificação de meta de desempenho para que, através desta condição, possa haver o direito de aquisição das ações subordinadas à este pacto.
Quanto a este ponto, pode-se concluir que o contrato de vesting deve conter, de forma detalhada, cláusulas com critério de produtividade e a proporcionalidade de ações correspondentes. Esta ação é necessária para que haja justiça, segurança jurídica para as partes e, ainda, que sejam minimizados os riscos de litígios.
Para tanto, um ponto que deve ser observado tanto para o operador do direito, quanto para os interessados em estabelecer esta relação contratual é saber qual o tipo societário mais adequado para a implementação deste contrato.
Primeiramente, é necessário esclarecer que os dois tipos societários mais comuns no Brasil são as sociedades limitada e anônima. Em ambas as hipóteses, todos os sócios possuirão responsabilidades limitadas, respeitadas as peculiaridades de cada tipo. No caso da sociedade limitada, o limite será o valor de suas quotas, admitindo-se solidariedade entre os sócios, do patrimônio pessoal de ambos, enquanto não houver a integralização do capital social (art. 1052, do Código Civil). E no caso da sociedade anônima o limite será o preço de emissão das ações (art. 1º da lei nº 6.404/76 e art. 1.088 do CC).
Para que não haja confusão terminológica é necessário estabelecer a diferença entre a divisão do capital social destes dois tipos sociais. Quanto a sociedade limitada a nomenclatura correta é quota, e quanto a sociedade anônima denomina-se ação.
Sendo assim, cada sócio, quotista ou acionista, é proprietário da quota ou ação adquirida através de pagamento que fora indicado no contrato ou estatuto social. Este pagamento se dá através de pagamento à vista, parcelamento ou mediante dação em pagamento.
Entretanto, a sociedade limitada possui uma regra específica que é estabelecida pelo art. 1.055, § 2º do Código Civil, referente a integralização de quotas. Este dispositivo legal proíbe a integralização através de prestação de serviços. Isto significa que tal vedação acaba por impossibilitar a prática do contrato vesting em sociedades limitadas, vez que a quota será adquirida em decorrência de critérios de produtividade e decorrentes dos serviços prestados pelo empregado ou administrador em benefício da sociedade. Assim, ante a peculiaridade do contrato vesting ter por contrapartida a prestação de serviços para obtenção de parte do capital social da empresa, o mesmo se torna inviável, na modalidade de sociedade limitada, visto a expressa vedação pelo art. 1.055, § 2º do Código Civil, supramencionado.
No entanto, a sociedade anônima é o tipo societário mais adequado para o vesting. Porém, deve-se ficar atento a certas regras desse tipo societário. As ações da S.A. são dividida em três classes: ordinárias, preferenciais e de fruição. Esta última é rara, uma vez que só podem ser criadas após a amortização de outra ação, ordinária ou preferencial. Em relação as outras duas, ambas podem ter direito ao voto, porém as ações preferenciais podem não ter esse direito caso isto esteja estabelecido no estatuto social.
Quanto as ações das sociedades anônimas, importante destacar que as mesmas deverão ter ou não direito ao voto quando forem adquiridas através do contrato de vesting. A pertinência desta colocação se faz ante a desconfiança que pode ser gerada perante os sócios detentores do comando acionário da empresa e que adquiriram as ações através de transação financeira, quanto a possibilidade do empregado que ingressou na sociedade, mediante o contrato de vesting, venha a se tornar alguém que dispute o controle da companhia no futuro.
Destarte, para que não ocorra insegurança quanto a dúvida do direito ao voto, em relação ao contrato de vesting, pode ser estabelecido que as ações adquiridas através desta modalidade serão ações preferenciais sem voto. E, caso o beneficiário do vesting queira o controle da sociedade anônima, ele deverá investir recursos na aquisição de ações ordinárias, como qualquer outra pessoa.
Logo, pode-se concluir que o quadro societário mais adequado para se o vesting é a sociedade anônima e o tipo acionário mais indicado são as ações preferenciais sem voto.
Até o momento fora abordado a conceituação, aplicação e a forma de como se ingressa na sociedade, portanto cabe reflexão quando a saída dos acionistas que adquiriram participação societária através desta modalidade, por affectio societatis ou por despedida do empregado. A perda da vontade de permanecer no quadro societário, affectio societatis, é perfeitamente lícita e possível, pois isso nada mais é do que o exercício do livre arbítrio.
Nesse diapasão, é prudente que contenha, no estatuto social, dispositivo para esta hipótese. Isto deverá ocorrer para resguardar o direito a indenização dos administradores e empregados que quiserem se retirar da sociedade na forma estabelecida pelo art. 1.031 do Código Civil.
Entretanto, caso haja essa ruptura societária e isto esteja estabelecido no estatuto, pode haver previsão de multa a ser aplicada em face de quem se retira. Isto é possível, uma vez que com a saída do administrador ou empregado, foi feito investimento financeiro e temporal, pela sociedade, nestas pessoas. Para tanto, deve-se observar cada caso concreto para que a multa seja aplicada de forma justa e razoável.
Quanto a despedida do empregado, com ou sem justa causa, é aconselhado que contenha cláusula semelhante, impondo a dissolução parcial. Entretanto, nestes casos as ações deverão ser devolvidas à sociedade ou deverá haver redução do capital social. Assim, a pessoa que adquirir estas ações não terá o direito de vendê-las para terceiros. Porém, todas estas imposições somente podem ser validadas caso estejam expressamente previstas no estatuto social.
Estas Condicionantes acima citadas geram discussão quanto à sua legalidade, visto que a regra é que, na sociedade anônima, as ações devem ser de livre negociação, isto é o que consta no art. 36 da lei 6.404/76 (lei das S/As).
Todavia, este imposição estabelecida em contrato corresponde a aquisição das ações na modalidade vesting e que o aquisição das mesmas somente foram efetivadas pois houve critérios condicionantes. Contudo, neste mesmo contrato que contempla critérios condicionantes para aquisição, contempla, também, cláusulas de penalidades, dentre a falta de cumprimento das metas estipuladas e da cláusula de despedida do empregado. Assim, as condições se enquadram entre os elementos acidentais do negócio jurídico.
As ações são e devem ser interpretadas como objeto de negócio jurídico, assim, não existe ilegalidade caso as partes envolvidas concordarem com o que fora estabelecido pelo estatuto social quanto a proibição da venda das ações adquiridas através do contrato vesting em sociedade anônima de capital fechado.
Em vista dos fatos abordados neste estudo pode-se concluir que, do ponto de vista jurídico, o contrato de Vesting é legal e é bastante utilizado pelas startups. Porém, pode ser utilizado em outros tipos de empresas, desde que observe o tipo societário. Contudo, toda empresa que quiser estabelecer este tipo de contrato tem que ficar atenta as regras e suas peculiaridades, para que não seja confundido como tentativa de fraude trabalhista.
Daniel Cruz
Advogado. Sócio Fundador do Escritório Sousa Cruz Advogados, em Belo Horizonte. Consultor jurídico em diversas empresas no ramo de licitações e contratos administrativos, com 20 anos de experiência. Ex-pregoeiro, com mais de 300 licitações realizadas. Consultor NBR ISO 37001 – Sistema de Gestão Antissuborno, ABNT – ISO 19600. Pós graduado no Curso de Gestão Jurídica, IBMEC-BH. Experiência em Direito Civil, Direito de Família e Direito Administrativo. Pioneiro em ações de direito autoral virtual, tendo reconhecimento no programa nacional “A Voz do Brasil”, por um trabalho inédito relacionado com direito autoral de websites.