Vamos tratar hoje de um tema que tem dado o que falar: pode um administrador de grupos de whatsapp ser punido ofensas entre os membros, ocorridas dentro do “ambiente digital”? Ou pior: o administrador responde por crime ocorrido dentro do grupo, juntamente com seu autor, mesmo que não tenha participado da ofensa?
O tema é delicado, e algumas decisões recentes acabaram por apimentar ainda mais as discussões, que já chegaram aos tribunais, Brasil afora.
Primeiramente, as pessoas devem se conscientizar que o “ambiente digital” nada mais é do que uma forma de manifestação de pensamento, criação, expressão e informação realizados pela pessoa humana com a ajuda de computadores, do rádio, da TV, bem como dos demais meios de comunicação existentes.
Sendo assim, as pessoas continuam vivendo em uma sociedade democrática, marcada por direitos e deveres, liberdades e limites. A circunstância de uma manifestação de vontade de uma pessoa ocorrer num ambiente virtual não a isenta dos efeitos legais determinados em lei, seja para fazer valer uma proposta ou aceite de negócio, seja para responder civil e criminalmente por atentado a bem jurídico de outra pessoa.
Para concluir, as pessoas continuam sendo elas mesmas (por mais que muita gente se esqueça disso) na internet, Whatsapp, Facebook ou Instagram. Aqui não é terra sem lei.
Ocorre que o “ambiente digital” tem oportunizado todo tipo de manifestação, algumas mais destemidas do que ocorreriam ao vivo, porque os seus autores acreditam que estão protegidos, no mundo digital.
A Constituição Federal prevê em seu art. 5º direitos e deveres fundamentais, dentre os quais destacamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Esses são apenas alguns exemplos de direitos fundamentais protegidos pela Constituição: igualdade entre homens e mulheres, proteção da intimidade, vedação à discriminação e criminalização do racismo.
É claro que não há exceções ao “ambiente virtual”: um racista no Facebook é um racista e comete crime, mesmo que esteja apenas usando seu celular, escondidinho na sua casa.
Entendo que a aplicação lógica dos princípios gerais do direito no ambiente virtual se aplica também nos grupos de Whatsapp. Se você convida pessoas para a uma “reunião” (seja ela presencial ou através da criação de um grupo), alguns cuidados precisam ser tomados, para que se mantenha a ordem na casa. Trouxe algumas dicas:
DICA 1: primeiramente, é no mínimo educado perguntar ao membro se há interesse em participar do grupo. Informe sobre os temas que serão abordados, e as razões do convite. Mande o link e aguarde o aceite – ou não – do futuro membro.
DICA 2: faça uma pequena lista de regras (o que é permitido e o que é proibido naquele grupo). Lembre-se de alertar aos membros que iniciarem uma discussão que esteja off-topic (fora dos parâmetros definidos pelos administradores). Vejam esse simples exemplo:
O grupo é para trocar ideias sobre jogos, dicas, resenhas, marcar de jogar online, etc.
Termos de uso:
1 – Nada de futebol.
2 – Nada de política.
3 – Nada de correntes.
4 – Ofensa, racismo e intolerância são crimes dentro e fora do grupo e não serão admitidos.
DICA 3: já dizia sua avó: a porta da rua é a serventia da casa. Ou, se preferir, os incomodados que se retirem. Quero dizer que sair de um grupo é um direito do membro, e insistir em voltar com membros que exerceram tal direito é sim uma invasão de privacidade, e nunca deve ocorrer, a não ser que o próprio membro peça para retornar.
DICA 4: adicione outros moderadores. Divida as responsabilidades com outros membros de confiança, e as decisões sobre os rumos do grupo poderão construídas de uma maneira mais sólida e democrática. Ademais, como veremos ao final, ser administrador pode trazer dor de cabeça, então divida as decisões importantes com outros administradores.
DICA 5: algo deu errado e as pessoas iniciarem uma batalha virtual em seu grupo? Não hesite em fazer como faria se estivessem na sua casa, a seu convite: termine a festa, antes que alguém chame a polícia. Melhor acabar logo com isso. Mantenha a ordem! Retire o dissidente do recinto.
DICA 6 (para membros): você é membro do grupo de Whatsapp do trabalho, o administrador é seu chefe, e você não pode se convidar a sair? Haja como se estivesse na casa dele: “sentadinho no canto”, falando o mínimo e evitando as polêmicas, que podem custar o seu emprego. Discrição e educação.
Tudo dito até aqui lhe pareceu óbvio, não acha? Se seguirmos essas regras estaremos livres para voar na internet de alta velocidade de nossos modernos celulares? Infelizmente os tribunais têm decidido de forma bastante polêmica quando o assunto é a responsabilidade do administrador nos grupos de Whatsapp.
ASSUNTO POLÊMICO: O administrador responde civilmente por atos de terceiros dentro do grupo de whatsapp?
Segundo decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, um administrador de grupo no WhatsApp pode sim ser responsabilizado pelas coisas faladas lá. Essa decisão vem causando muita controvérsia no mundo jurídico, por abrir um precedente potencialmente perigoso e que pode causar insegurança jurídica no meio digital. Vejam:
Autores vítimas de ofensas graves via whatsapp. Prova incontroversa do ocorrido, por meio de ata notarial. Ré que, na qualidade de criadora do grupo, no qual ocorreram as ofensas, poderia ter removido os autores das ofensas, mas não o fez, mostrando ainda ter-se divertido com a situação por meio de emojis de sorrisos com os fatos. Situação narrada como bullying, mas que se resolve simplesmente pelo artigo 186 do Código Civil. Danos morais fixados em valor moderado, no total de R$ 3.000,00 (R$ 1.000,00 por autor), porque a ré tinha apenas 15 anos por ocasião dos fatos, servindo então a pena como advertência para o futuro e não como punição severa e desproporcional. Apelo provido.
De acordo com os autos, a jovem, que era menor de idade na época, criou o grupo de WhatsApp em 2014 com o objetivo de combinar com seus amigos de assistir em sua casa jogos da Copa do Mundo. No entanto, ocorreram ofensas contra um dos membros, chamado de “bicha, veado, gay, garoto especial, bichona”, entre outros xingamentos.
O relator do processo, Des. Soares Levada, entendeu que a administradora do grupo não participou diretamente das ofensas, mas reverteu a decisão em favor do ofendido com a argumentação de a administradora do grupo deveria ter agido para evitar o bullying e remover as pessoas que falaram as ofensas. “Ou seja, no caso dos autos, quando as ofensas, que são incontroversas, provadas via notarial, e são graves, começaram, a ré poderia simplesmente ter removido quem ofendia e/ou ter encerrado o grupo. Quando o encerrou, ao criar outro grupo o teor das conversas permaneceu o mesmo, como as transcrições juntadas aos autos, cuja autenticidade não é questionada, demonstram à saciedade”, afirmou.
Em suma: emojis com careta de sorriso num grupo fechado de WhatsApp podem ser considerados uma conduta contrária ao direito! Baseou-se o relator no Código Civil, artigo 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito.
Daniel Cruz
Advogado. Sócio Fundador do Escritório Sousa Cruz Advogados, em Belo Horizonte. Consultor jurídico em diversas empresas no ramo de licitações e contratos administrativos, com 20 anos de experiência. Ex-pregoeiro, com mais de 300 licitações realizadas. Consultor NBR ISO 37001 – Sistema de Gestão Antissuborno, ABNT – ISO 19600. Pós graduado no Curso de Gestão Jurídica, IBMEC-BH. Experiência em Direito Civil, Direito de Família e Direito Administrativo. Pioneiro em ações de direito autoral virtual, tendo reconhecimento no programa nacional “A Voz do Brasil”, por um trabalho inédito relacionado com direito autoral de websites.