Recebe o nome “investidor anjo”, a pessoa física ou jurídica que faz investimentos com seu próprio capital em empresas – geralmente embrionárias – proporcionando substancial aumento do seu capital, para viabilizar a criação e o crescimento de novos modelos de negócio.
Como será observado ao longo do presente trabalho, o investimento anjo não é uma atividade filantrópica ou com fins puramente sociais, mas uma alternativa de investimento. O Investidor Anjo tem como objetivo aplicar em negócios com alto potencial de retorno, que consequentemente terão um grande impacto positivo para a sociedade, através da geração de oportunidades de trabalho e de renda. O termo “anjo” é utilizado pelo fato de não ser um investidor exclusivamente financeiro que fornece apenas o capital necessário para o negócio, mas por apoiar ao empreendedor, aplicando seus conhecimentos, experiência e rede de relacionamento para orientá-lo e aumentar suas chances de sucesso.
No Brasil, importante destacar a inovação legislativa trazida pela Lei 155/16 (Projeto Crescer Sem Medo), que trouxe diversos benefícios para esse tipo de investimento, bem como a Instrução Normativa (IN) RFB nº 1719/2017, que, por sua vez, é considerada um grande retrocesso, sendo alvo de diversas críticas.
Sumário
O presente artigo tem como objetivo sistematizar o chamado investimento anjo, apresentando a sua evolução histórica e comparando o modelo nacional com o realizado em outros países do mundo.
Ademais, o trabalho visa analisar o investimento anjo, de acordo com a legislação pátria vigente, principalmente após o advento da Lei Complementar 155/2016, que regulamentou o tema.
Finalmente, merecem severas críticas a Instrução Normativa RFB nº 1719, de 19 de Julho de 2017, que trouxe mudanças significativas ao investimento anjo, praticamente aniquilando com as vantagens de utilização do Instituto, como ficará demonstrado ao final do trabalho.
O INVESTIMENTO ANJO, SEGUNDO A SISTEMÁTICA DA LEI COMPLEMENTAR 155/16
Histórico e Direito Comparado
O termo investidor anjo (em inglês, Angel Investor ou Business Angel) foi criado nos Estados Unidos, no início do século 20, para designar os investidores que bancavam os custos de produção das peças da Broadway, assumindo os riscos e participando de seu retorno financeiro, bem como apoiando na sua execução.
Quando do seu surgimento, o termo era restrito às pessoas físicas que tinham a intenção em investir.
O termo “anjo” é utilizado por não se tratar de um investimento exclusivamente financeiro. Um investidor anjo agrega valor para o empreendedor não apenas com o capital, mas também com seus conhecimentos e rede de relacionamentos. Geralmente, trata-se de um profissional experiente, ou mesmo um ex-empreendedor, que possui visão e vivência de mercado.
O objetivo do investidor anjo é aplicar em negócios com alto potencial de retorno, possuindo participação minoritária no negócio. O investimento, portanto, não lhe garante uma posição executiva na empresa. Ao contrário, a lei permite que este nem ao menos integre o quadro societário. O anjo atua, portanto, como mentor ou conselheiro do empreendimento.
Direito comparado
ESTADOS UNIDOS
A prática é originária dos EUA, onde os investimento anjo são um dos primeiros elos de apoio à cadeia de empreendedorismo, propiciando o crescimento de negócios inovadores, antes que surjam novos modelos de investimentos mais robustos.
O Vale do Silício domina os investimentos americanos. Os investimentos anuais já ultrapassam a casa das dezenas de bilhões de dólares. Nos Estados Unidos, os anjos são investidores credenciados, com a finalidade de cumprir as regulações do SEC (Rules and Regulations for the Securities and Exchange Commission and Major Securities Laws).
Os investidores anônimos não são apenas responsáveis pelo financiamento de mais de setenta mil empreendimentos iniciantes anualmente, mas seu capital também contribuiu para o crescimento do emprego, ajudando a financiar mais de trezentos mil novos empregos por ano. Atualmente, podemos afirmar que mais da metade dos executivos do setor de tecnologia tiveram nos investidores anjo um meio de financiamento.
REINO UNIDO
No Reino Unido, Um estudo da fundação NESTA (https://www.nesta.org.uk/) estimou que existem no Reino Unido entre 4.000 e 6.000 investidores anjo com um investimento de £42,000 em média. Cada anjo tem – em média – 8% do negócio.
Com o apoio do governo, o Reino Unido possui diversos programas para empreendedores para quem esteja interessado em abrir seu próprio negócio, como por exemplo:
- Programa global para empreendedores – voltado para empreendedores e empresas em estágio inicial.
- Programa sirius – voltado para universitários de último ano ou recém-formados com empresas ou ideias de start-up.
ÁSIA
O principal grupo de investidores-anjo da Ásia, Angel Vest, é formado por cerca de 70 anjos individuais, que são empreendedores bem-sucedidos, executivos corporativos e investidores de capital de risco e private equity. Os anjos asiáticos possuem uma ampla experiência na China e internacionalmente, bem como conhecimentos aprofundados em diversas indústrias (saúde, biotecnologia, tecnologia limpa, imóveis, produtos de varejo, fabricação, serviços legais, financeiros, etc.).
Além do capital, cada investidor anjo contribui ativamente para todas as etapas do processo de investimento, incluindo fonte de negócios, due diligence e orientação contínua de empresas de portfólio.
O foco principal é investir em empresas atraentes, em fase inicial, com um foco na Ásia, e fornecer um local para as empresas de portfólio terem acesso à mentores e investidores credenciados pela Angel Vest.
Em todos os lugares citados, são adotadas políticas de incentivo fiscal para investidores anjo, pois os governantes entendem que, quanto mais investimentos são feitos, maior será a geração de empregos e tributos futuramente.
BRASIL
No Brasil, ainda existem algumas dificuldades para o crescimento da prática, como a falta de proteção e estímulo para investidores anjo.
A falta de regulamentação da descaracterização da personalidade jurídica dessas empresas também leva a um risco potencial adicional. O investidor, além do risco de perder seu investimento, eventualmente terá que arcar com passivos adicionais da empresa, ainda que não tenha qualquer envolvimento na administração do negócio, nos casos em que for declarada a descaracterização da personalidade jurídica.
Como se não bastasse, no Brasil, não há incentivos à prática, do ponto de vista da tributação. Ao contrário, tributa-se em demasia aquele que teria condições de incentivar e fomentar as empresas em estágio embrionário.
O investimento-anjo a partir da lei 155/2016 (Projeto Crescer sem Medo)
Vários benefícios constam do artigo referente ao investidor-anjo na chamada “lei do Crescer sem Medo” (Lei Complementar nº 155/2016, com efeitos a partir de 01/01/2017).
Antes de 2017, os investidores eram efetivados como sócios, partilhando não só dos frutos, mas também dos riscos do negócio. Ao passarem a ter participação societária da empresa investidora, as microempresas geralmente perdiam o direito ao Simples, por conta dos valores investidos.
Ocorre que desde 1º de janeiro de 2017, data inicial da produção de efeitos da referida lei (conforme art. 11), os investidores têm proteção em relação ao capital investido, desde que não participem da gestão da empresa. O investimento passa a ser regulado por um “contrato de participação” com prazo máximo de sete anos. Com isso, as microempresas garantem a permanência no Simples Nacional. Os sócios fundadores seguem no comando da administração e são os únicos responsáveis pelas dívidas sociais.
Na medida em que a lei separa a figura do investidor e do sócio, há verdadeiro incentivo nos investimentos em empresas inovadoras. Assim, o investidor anjo não tem que arcar com dívidas tributárias, processos trabalhistas ou custos de qualquer outra ordem eventualmente gerados pelo negócio. No pior cenário, de falência da empresa, o investidor perde o capital que investiu.
Outro ponto importante é que o investidor – em regra – não tem poder de voto, a não ser que isso seja definido no contrato de participação. Os recebimentos de lucros também têm de ser estipulados nos termos do contrato de participação.
Essa divisão de papéis, além de trazer segurança ao investidor, permite que as startups se mantenham enquadradas no regime do Simples, mesmo recebendo um grande aporte de dinheiro. Anteriormente, elas precisavam se registrar como Sociedade Anônima (S/A) para incorporar o investidor, mas, desse modo, perdiam acesso aos benefícios do regime especial de tributação do Simples.
Críticas à Instrução Normativa RFB nº 1.719, de 19 de Julho De 2017
A LC 155/2016, Lei Complementar ao Simples, foi um grande avanço para as startups e para o investimento privado brasileiro, pois deu segurança jurídica para o investidor e garantiu para a startup sua permanência no aclamado regime do SIMPLES.
Ocorre que a lei previa alguns pontos de regulamentação de tributação do Contrato de Investimento efetuado entre o Investidor Anjo e a Startup, o que foi efetuado pela Receita Federal através da Instrução Normativa (IN) RFB nº 1719/2017.
A indigitada Instrução Normativa representou um grande retrocesso, ao estabelecer a tributação sobre os rendimentos, enquanto que em uma participação direta os dividendos seriam isentos. Dessa forma, há um desequilíbrio quando comparamos com outros investimentos, tais como em fundos de investimento imobiliário, nos quais são isentos os rendimentos, e até com investimentos em ações listadas na bolsa de empresas com faturamento até 400 milhões de reais, que têm isenção de imposto sobre ganho de capital. Tributar o investimento na pequena empresa inovadora, que está começando, é no mínimo desproporcional, e fatalmente é um fator que impede o crescimento das empresas embrionárias e com potencial de crescimento.
CONCLUSÃO
O investimento anjo, como demonstrado, é uma excelente forma de incentivar as atividades de inovação e investimentos produtivos. A junção da experiência (mentoria) do investidor, geralmente já familiarizado e experiente, unido ao fato de que este receberia incentivos para investimento sem risco de responsabilização, fariam dessa modalidade de investimento uma excelente forma de fomento e financiamento de negócios promissores.
Ocorre que, na contramão dos demais países do mundo, o Brasil perdeu uma clara oportunidade de estimular o empreendedorismo e, simultaneamente, aumentar a arrecadação tributária, principalmente com o advento da Instrução Normativa RFB Nº 1719/17, que passou a tributar os rendimentos do investimento anjo, praticamente aniquilando com o recém criado Instituto. Esperamos que essa posição seja revista, a fim de proporcionar um avanço e crescimento nessa modalidade de investimento, visando viabilizar a criação de novos modelos de negócio, gerando renda, emprego e arrecadação tributária.
Daniel Cruz
Advogado. Sócio Fundador do Escritório Sousa Cruz Advogados, em Belo Horizonte. Consultor jurídico em diversas empresas no ramo de licitações e contratos administrativos, com 20 anos de experiência. Ex-pregoeiro, com mais de 300 licitações realizadas. Consultor NBR ISO 37001 – Sistema de Gestão Antissuborno, ABNT – ISO 19600. Pós graduado no Curso de Gestão Jurídica, IBMEC-BH. Experiência em Direito Civil, Direito de Família e Direito Administrativo. Pioneiro em ações de direito autoral virtual, tendo reconhecimento no programa nacional “A Voz do Brasil”, por um trabalho inédito relacionado com direito autoral de websites.